Nizam


Praticante do ritual sema, um semazen

O sema é uma forma de hadra ou "zikr em movimento" praticado especialmente pelos dervixes da ordem sufi Mevlevi, baseada em Konya, na atual Turquia. A origem do sema na Ordem Mevlevi remonta a Rumi, um jurista e mestre sufi muçulmano do século XIII. A história da criação desta forma única de zikr é que Rumi estava andando pelo mercado da cidade de Konya um dia quando ouviu o martelar rítmico dos ourives reproduzir o som de "la ilaha illa Allah" (não há divindade senão Allah) e em êxtase místico ele estendeu ambos os braços e começou a girar. Com isso, a prática do sema e os dervixes da Ordem Mevlevi nasceram.

Entretanto, fontes islâmicas ainda mais antigas sugerem que a prática do sema é anterior a Rumi. Como narrado no "Livro do Cavalheirismo" (Kitab al-Futuwwa) de al-Sulami (937-1021) do século X, o "giro em estado de êxtase'' já era registrado nos companheiros do próprio Profeta Muhammad como relatado em um hadith:

"Omar ibn al-Khattab, o companheiro do Profeta e segundo califa da comunidade muçulmana relatou:

'Um dia o Mensageiro de Allah nos pediu doações (para a comunidade recém estabelecida). O desejo que me veio foi o de ultrapassar Abu Bakr, que sempre esteve à minha frente em todo ato bom. Eu trouxe uma fortuna representando metade de tudo que possuía e vim até a presença do Profeta.

O Santo Profeta questionou a Omar o quê ele deixou para si e para sua família. Omar afirmou que doou metade de suas posses no nome de Allah e que deixou metade para si mesmo e sua família. Então Abu Bakr veio com um saco cheio de ouro e o pôs aos pés de seu Mestre. O Santo Profeta lhe fez a mesma pergunta. Abu Bakr disse que doou toda sua riqueza. Então o Mensageiro de Allah, olhando-me, perguntou a Abu Bakr: "Por que você não deixou nada para seus filhos?" Abu Bakr respondeu: "Minha família e filhos estão aos cuidados de Allah e Seu Mensageiro."

Depois desse incidente Abu Bakr não esteve visível por alguns dias e não apareceu na mesquita do Profeta. Sentindo um vazio na ausência de Abu Bakr, o Profeta perguntou de seu paradeiro. Os companheiros responderam que Abu Bakr distribuiu todas as suas posses e que não tinha nada mais para se vestir além de uma peça de tecido, que ele dividia com sua esposa, alternando o uso entre eles para se envolverem na hora da reza.

Naquela hora o Profeta pediu a Bilal al-Habashi para que fosse à casa da filha do Profeta, Fatima, e lhe perguntou se tinha uma peça extra de roupa que pudesse ser levada para Abu Bakr para que ele pudesse se vestir e vir para a mesquita. Tudo o que a nobre Fatima tinha era uma peça extra de tecido de lã feita de pelo de bode. Quando Abu Bakr a enrolou na sua cintura, era muito curta. Então ele costurou algumas folhas de tamareira ao tecido par que pudesse se cobrir decentemente, e seguiu rumo ao caminho da mesquita.

Antes de ele chegar, o Arcanjo Gabriel apareceu para nosso Mestre nas mesmas vestimentas impróprias que Abu Bakr estava vestindo. Quando o Profeta disse para Gabriel que nunca o vira em tais trajes estranhos, Gabriel respondeu que hoje todos os anjos no céu estão vestidos assim para honrar Hadhrat Abu Bakr, o leal, generoso e fiel.

Allah, o Altíssimo, estava enviando bênçãos e saudação para Abu Bakr. Gabriel disse: "Diga a ele que seu Senhor está satisfeito com ele se ele estiver satisfeito com Seu Senhor."

Quando Abu Bakr veio até a presença de nosso Mestre e ouviu as boas novas dos lábios do amado Profeta, levantou-se, agradeceu a Allah, dizendo: “Certamente estou satisfeito com meu Senhor!” e em estado de alegria girou três vezes.'"


"Whirling Dervishes", obra de Jean-Léon Gérôme, 1895

Outras fontes sugerem que a ritualização do sama pode ser atribuída ao místico sufi persa Abu Said Abul-Khayr (967-1049), que estabeleceu as regras de conduta nos centros sufis ou "khanqas'' e também a introdução ritualizada da música, poesia e movimentos, como parte do ritual devocional sufi coletivo de zikr.

O sema na Ordem Mevlevi enfatiza o canto, mas também inclui o tocar de instrumentos, particularmente para introduções e acompanhamentos. Entretanto, apenas instrumentos simbólicos e não considerados profanos são utilizados. Os mais comuns são o tambor e a flauta. Geralmente inclui o canto de hinos, chamados qawl e bayt. A poesia religiosa é frequentemente incluída na cerimônia também, para auxiliar na contemplação espiritual.

O ritual é um meio de meditar em Deus focando nas melodias e movimento. O objetivo imediato do sema é alcançar o wajd, que é um estado de despertar espiritual. Outro estado que os dervixes esperam alcançar através do sema é o khamra, que significa ''embriaguez espiritual''. Às vezes, a experiência de wajd se torna tão forte que desmaios ou mesmo, em circunstâncias extremas, ocorre a ''imitação da morte'' entre os dervixes praticantes do sema.

Espera-se que os participantes do sema permaneçam em silêncio e quietos, e controlados durante toda a cerimônia, a menos que o wajd ocorra. Desta forma, um maior grau de contemplação espiritual pode ser alcançado. Os participantes devem se conter do movimento e do choro até que atinjam um ponto em que não possam mais se conter. Neste ponto, o wajd pode ser alcançado. É essencial que a experiência de transe de wajd seja genuína e não falsificada por qualquer motivo. Além disso, os dervixes devem manter a intenção adequada e as ações devem ser condizentes com o ambiente do sema, caso contrário, eles não podem experimentar os efeitos positivos pretendidos da cerimônia.


Miniatura otomana do século XVI retratando o ritual de sama dos dervixes de Konya

Na Ordem Mevlevi, a prática é executada com toda uma simbologia. Os dervixes usam uma série de vestimentas tradicionais: o tennure, um vestido branco sem mangas que representa a alma, um demegul, uma jaqueta de manga longa, um cinto e um sobretudo preto ou khirqa, que representa a vida terrena, para serem removidos antes do início do "giro". Quando o ritual começa, o dervixe usa um chapéu alongado de feltro marrom, ou sikke, que representa a pedra posta sobre o túmulo, além de um turbante enrolado na cabeça, uma marca registrada da Ordem Mevlevi. O sheykh, ou mestre da ordem, lidera o ritual com regulamentos rigorosos. Ele fica no canto mais honrado do local, e os dervixes passam por ele três vezes, cada vez trocando saudações, até o movimento circular começar. A própria rotação é feita sobre o pé esquerdo e impulsionada pelo direito, em uma volta completa de 360 ​​graus. A mão direita deve estar direcionada para cima, como uma forma de receber as bênçãos divinas, e a esquerda para baixo, como uma forma de distribui-las pela terra. Se um dervixe se tornar demasiado arrebatado, outro, encarregado do desempenho ordenado, tocará suavemente no seu vestido para refrear seu movimento. A cerimônia dos dervixes é uma das características mais impressionantes da vida mística no Islã.

Os eruditos muçulmanos, no entanto, são divididos em dois grupos em relação à questão de sama e ao uso da música em geral nos rituais de zikr: com a maioria sunita em aprovação e seita minoritária salafista vendo a prática como algo extremamente ruim.

Os defensores consideram os cantos como uma prática exigida para o crescimento espiritual. O famoso erudito muçulmano do século XII, al-Ghazali escreveu um tratado intitulado "Referente à música e à dança como ajuda à vida religiosa", onde enfatizou como as práticas do uso dos cânticos e zikr em movimento são benéficas para os muçulmanos, desde que seus corações estejam puros antes de se envolver nessas práticas.

A oposição salafista vê a prática como herética, argumentando que não era costume dos primeiros muçulmanos, portanto deve ser combatida intelectual e fisicamente, com diversos centros sufis e santuários tendo sido alvos de atentados terroristas por este motivo.

Em 2008, a UNESCO declarou a "Cerimônia Mevlevi de Sema" da Turquia como uma das Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. Atualmente, a cerimônia também é realizada para fins turísticos em apresentações sem conotação religiosa.

Fotos: Wikimedia e Museum Syndicate.

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