Nizam
Fonte: As Cruzadas Vistas pelos Árabes

As crônicas do famoso político, historiador e diplomata árabe do século XII, Usamah ibn Munqidh (1095-1188), nos dão uma visão das disparidades e choque que um médico árabe medieval tinha quando via em ação a ''medicina'' ocidental da época. Falando sobre seus muitos encontros com os Cruzados na Síria, ele conta:

"Um dia, o governador franco ("franj", como os árabes chamavam a todos os europeus invasores) de Muneitra, no Monte Líbano, escreveu a meu tio, Sultan, emir de Chayzar, para lhe pedir para que lhe enviasse um médico para cuidar de alguns casos urgentes. Meu tio escolheu um médico cristão de nosso país (cristão de origem árabe) chamado Thabet. Este se ausentou por apenas poucos dias, depois voltou. Todos estávamos bastante curiosos para saber como ele tinha podido assim tão rapidamente obter a cura dos doentes, e o crivamos de perguntas. Thabet respondeu:

"Fizeram vir à minha presença um cavaleiro que tinha um abscesso na perna e uma mulher desnutrida e definhada. Coloquei um emplastro no cavaleiro, o tumor abriu e melhorou. Para a mulher, prescrevi uma dieta pra refrescar-lhe o temperamento. Mas um médico franco chegou e então disse; "Este homem não sabe tratar deles!". E, dirigindo-se ao cavaleiro, perguntou-lhe: "O que você prefere, viver com uma perna ou morrer com as duas?". O paciente tendo respondido que preferia viver com uma só perna, o médico ordenou: "Tragam-me um cavaleiro forte com um machado bem afiado." Logo vi chegar o cavaleiro e o machado. O médico franco colocou a perna do paciente num cepo e disse ao recém-chegado: "Dê uma boa machadada para cortá-la de uma só vez!" Sob meus olhos, o homem descarregou o primeiro golpe na perna, depois, como ela continuou presa, bateu uma segunda vez. O tutano da perna esguichou e o ferido morreu no mesmo instante.

Quanto à mulher, o médico franco a examinou e disse: "Ela tem na cabeça um demônio que está apaixonado por ela. Cortem-lhe os cabelos!". Eles foram cortados. A mulher então começou a comer seu alimento com alho e mostarda, o que agravou seu definhamento. "Foi o diabo que lhe entrou na cabeça", afirmou o médico. E pegando uma navalha, lhe fez uma incisão em forma de cruz, deixando aparecer o osso da cabeça, que ele esfregou com sal. A mulher morreu imediatamente. Então perguntei: "Vocês ainda precisam de mim?". Disseram-me que não, e eu retornei, depois de ter aprendido muitas coisas que ignorava a respeito da medicina dos francos."

- Amin Maalouf (1983) "As Cruzadas Vistas pelos Árabes", pg 126-127.


Ilustração medieval de uma comum cirurgia-exorcismo franca | Rogerius Salernitanus. Les Ordonements des Galen et Ypocras; c. 1315

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