Nizam

Introdução

Talvez seja a escassez de informações acerca da vida do fundador da dinastia otomana que deixa a história mais intrigante. Historiadores como Aşıkpaşazade, um dos primeiros historiadores otomanos, costumavam afirmar que o conceito econômico do aumento de valor com a partir da escassez pode ser aplicado também à história, o que faz de cada fragmento de informação acerca da vida do sultão otomano Osman Gazi algo ainda mais valioso.

Talvez nunca venhamos a saber se o sultão, cuja dinastia perdurou do final do século XIII até o começo do século XIV, tinha um sonho como aquele de Martin Luther King. Aliás, é dessa dinastia que remonta o primórdio do Império Otomano.

É certo que é difícil imaginar um sultão otomano em cima de um palanque gritando "Eu tenho um sonho!". Na verdade, segundo Aşıkpaşazade, Osman era iletrado, o que torna ainda mais misteriosa a retórica que ele pode ter empregado.

Enquanto as narrativas clássicas e históricas indicam que Osman Gazi teve um sonho em que uma árvore de plátano crescia do seu estômago até o céu, o fato é que podemos nunca vir a conhecer os detalhes verdadeiros sobre a vida desse líder magnífico: o sultão otomano que sonhou que a Turquia se tornaria uma grande nação.

Pequeno beylic, enorme visão

Pai de sete filhos, Osman I deu a cada um deles um nome que representava um dos sete segmentos distintos da sociedade: Pazarlı (Mercador), Çobanm (Pastor), Alaeddin (servo de Allah), Orhan (líder), Melik (Mestre), Hamud (Louvado) e Ertuğrul (guerreiro).

Ele tinha uma visão grande, o que é evidenciado nos registros históricos das terras que conquistou. Esses registros mostram claramente que Osman Gazi e seus guerreiros não eram meros ocupadores e saqueadores.

O primeiro sultão otomano conquistou uma área equivalente a uma pequena cidade anatoliana (um terço do tamanho das províncias de Bursa e Bilecik dos dias de hoje e um terço da província de Eskişehir. Também uma pequena parte das províncias de Kocaeli e de Sakarya) durante o seu governo (beylic) de seis anos.

Esse fato nos leva a questionar a famosa tese escrita pelo orientalista e historiador austríaco Paul Wittek sobre a ascensão do Império Otomano, conhecida como a "tese de Gaza". Se pedíssemos, alguns anos mais tarde, ao próprio Paul Wittek ou aos seus seguidores que descrevessem a ascensão do império, eles nos diriam que os otomanos eram guerreiros nômades que se ocupavam primeiramente com a conquista e com os espólios das terras. Guerreiros aventureiros corriam das terras islâmicas em direção às otomanas, pois o território otomano era a fronteira do Império Seljúcida. Essa ideia espalhou tanto que até guerreiros mercenários não muçulmanos iam até Osman em busca de espólios.

Um legado simples, uma espiritualidade maravilhosa

Consideremos a herança que Osman I deixou para seus descendentes depois de ter realizado tantos saques: uma armadura de cavalo, um par de botas, alguns estandartes, uma espada, uma lança, uma caixa de flechas, três rebanhos de ovelhas, um saleiro e uma caixa com um jogo de colheres. Pessoalmente, eu não consideraria isso como a herança de um saqueador. É certo que ele não era o líder mais rico entre os beylics, já que outros beylics se envolviam em suas próprias guerras sagradas (gazas) com seus guerreiros sagrados (gazis).

Além de uma quantidade enorme de espólios, o valente Osman I era agraciado geneticamente com olhos cor de avelã, pele dourada e um peito largo. Ele era especialista em fazer tanto a guerra quanto a paz, famoso nas terras islâmicas por distribuir entre as pessoas o que obtinha durante as guerras sagradas, o que fez com que muitos membros de outras tribos se unissem ao seu beylic.

Osman Gazi era um comandante complexo. Ele fez o máximo para não entregar nem um acre sequer de sua terra, ao mesmo tempo em que fazia acordos para a vida toda com os donos de terras bizantinos. Osman I era agressivo e não ligava para nada, exceto o Islam.

O problema dos cristãos gazis era exagerado e distorcido. Esses homens eram cristãos, mas no fim se tornaram muçulmanos e eram ligados a Osman e sua família, tanto em fé quanto em sangue. Por exemplo, não era desnecessário para Mihal Bey e seus parentes de sangue que às vezes aparecessem para expressarem o quanto eram leais ao Estado. O nosso ancestral Osman tinha uma espiritualidade assim.

Traços de fé, amizade e justiça podem ser vislumbrados em seu carisma inigualável. O terror e a crueldade são duas coisas que Osman jamais entendeu. Ele era um homem que beirava à inocência, mas era um dos especialistas mais proficientes na política. Ele virou os governantes bizantinos uns contra os outros e abriu espaço para a ascensão do Islam, transformando a Bitínia no que é hoje a Turquia.

As vitórias em posição de desvantagem

Osman Gazi não tinha como estender seu domínio até a região da Anatólia. Outros grandes beylics o circundavam. O sultão seljúcida, cujo reino não era muito estável, essencialmente apenas preservava seu domínio. Além disso, eles enfrentavam o terror dos mongóis, que oprimiam toda a Anatólia.

Osman I também não podia conquistar a Rumélia por causa do Império bizantino, o antigo mestre da burocracia e dos assuntos militares.

Ainda assim, Osman Gazi conseguiu ir além dessa confusão com uma estratégia bidirecional, cuja primeira dimensão era uma de ação e de medidas preventivas. Quando se tornou o governante, o mundo islâmico se encontrava num árduo esforço de se reorganizar sob a liderança dos gazis, contra a invasão mongol do oriente e as cruzadas do ocidente.

Os mamelucos, originários dos soldados turcos escravizados no Egito, estavam crescendo. Baybars, o sultão dos mamelucos, tinha a reputação de ser o primeiro comandante muçulmano a parar os mongóis. Além disso, Baybars é conhecido por ter feito alianças com os oguzes para livrar a Anatólia dos mongóis.

Diante dessas circunstâncias, um consenso silencioso contra os bizantinos e os mongóis foi alcançado. Esse consenso era funcional de vez em quando e surgiu entre os sultões na Anatólia, no Egito e na Síria. Eles também fizeram as pazes entre si.

A estratégia primária de "paz com os muçulmanos, guerra contra os infiéis" fez de Osman I um chefe e depois um khan, ou um "comandante-gazi" comum sob a liderança dos Çobanoğulları.

“Os otomanos amavam os pobres”

Oruç Bey pronunciou essas palavras importantes que capturam a essência da segunda estratégia de Osman I, que levou os otomanos a dominarem a Anatólia e, posteriormente, o mundo. Para o sultão, lealdade e mérito eram qualidades muito mais importantes do que parentesco e status. As terras de Osman eram abertas para todos que quisessem servir o propósito comum e aqueles que adquiriam o título de “especialista” em seus ofícios podiam brilhar de verdade.

Osman Gazi era bom tanto durante a guerra quanto durante a paz. Após muitos anos de esforço, ele voltou o foco de sua estratégia à conquista da antiga cidade seljúcida de Niceia, que estava sob o controle dos cruzados, o que resultou na aceitação de Kutalmışoğlu Süleyman Şah como avô de Osman, apesar de não haver laço de sangue entre eles. Enquanto Süleyman Şah governava a Anatólia de Niceia, os cruzados tomaram a cidade, impactando o domínio dos turcos muçulmanos na Anatólia. Sendo o segundo a conquistar Niceia, Osman se tornou um comandante gazi famoso e amado em todo o mundo islâmico de uma hora para a outra.

Dissemos também que Osman Gazi era bom em fazer as pazes. Ele impedia a pirataria nas terras conquistadas e reduzia o imposto pago pelos cristãos. Apesar das conquistas, os cristãos podiam permanecer em suas terras natais por anos, cultivando sua sociedade agrária e apenas pagando impostos sobre as terras que ocupavam. Osman ganhou os corações dos povos cujas terras foram conquistadas por meio da espada, nunca os considerando inimigos após a vitória nas guerras. Para os historiadores, as terras conquistadas por Osman Gazi se tornaram mais ricas e mais confortáveis em comparação ao tempo do domínio bizantino.

Se Osman tivesse sido um bom gazi somente nos assuntos militares, ele poderia se contentar com os espólios da guerra. Mas podemos ver que ele era um empreendedor que era capaz de compreender as necessidades da era clássica e que se esforçou para construir uma sociedade forte e saudável, social e economicamente.

Osman Gazi amava tanto os pobres que hoje a Turquia não vê problemas em aceitar refugiados, o que surpreende o mundo inteiro. Sim, Alp Arslan abriu os portões da Anatólia para nós, mas Osman Gazi fez dela uma terra mãe para os segmentos mais pobres da sociedade do mundo inteiro. Então, em outras palavras, estamos todos vivendo no sonho dele.

Leia também...

Verdade leva à justiça e justiça leva ao Paraíso

Abu Bakr as-Siddiq: o primeiro califa do Islam

A melhor benção da vida é uma boa esposa

"Como você busca conhecimento?" perguntaram ao Imam al-Shafi