Nizam

Os primeiros muçulmanos a chegar em Trinidad eram da África Ocidental. No entanto, pouco se sabe sobre a natureza de sua presença e como praticavam o Islam. Na maioria dos casos, provavelmente foram forçados a praticar sua religião em segredo ou renunciá-la completamente no contexto do colonialismo escravista europeu.

Até o início do século XIX, havia uma comunidade muçulmana próspera em Port of Spain, Trinidad, liderada por Yunus Muhammad Bath. A comunidade cresceu em números sobretudo pelos africanos que serviram no Regimento Britânico das Índias Ocidentais durante as Guerras Napoleônicas. Após a dissolução do regimento, alguns se estabeleceram em Port of Spain, enquanto outros o fizeram no sul de Trinidad, mas a maioria deles recebeu terras em Manzanilla, nordeste de Trinidad. O que viviam em Port of Spain peticionaram ao governo britânico seu retorno à África, mas não obtiveram sucesso. Um deles, entretanto, conseguiu voltar para o continente africano, através da Inglaterra. Seu nome é Muhammad Sisi.


Bamboo Jamaa Masjid, Valsayn, Trinidad | Trinidad and Tobago Masjids of ISLAM/Facebook

Muhammad Sisi nasceu no fim do século XVIII na Gâmbia e pertencia ao povo mandinga, que vivia na região e que em sua maioria era composta de muçulmanos. Seu pai se chamava Abu Bakr e sua mãe se chamada Ayishah.

O local de nascimento de Sisei foi Niyani-Maru, uma vila na curva norte do rio Gâmbia. Aos oito anos, Sisei foi enviado para Dar Salami, um dos centros de educação islâmicos fundados por mercadores muçulmanos em Gâmbia. Esses centros foram importantes para a difusão do Islam na região.

Em Dar Salami, Sisei aprendeu a ler e escrever em árabe, além de ter estudado o Alcorão. Dizem que a escrita era feita em papel, altamente valorizada pelos muçulmanos. Esse fato adquire maior importância quando lembrado que um dos grandes presentes do Islam para a África e para outras regiões foi o letramento. Sisei permaneceu em Dar Salami por oito anos, ou seja, até seus dezesseis anos. Depois de sua estadia na cidade, voltou para sua cidade natal.

Ao voltar para sua cidade, montou uma escola e repassou o que aprendera em Dar Salami. Por cinco anos, entre 1805 e 1810, Sisei continuou sua vida como professor, ajudando a consolidar e difundir o Islam na região.


Nazir Ahmad Seemab Masjid, Charlieville, Trinidad | Trinidad and Tobago Masjids of ISLAM/Facebook

Entretando, o início do século XIX foi um período de muita turbulência na África Ocidental. Além da rivalidade entre ingleses e franceses, que ecoava na região, também haviam os conflitos entre chefes locais. Em um desses conflitos, a cidade de Sisei foi atacada e ele foi capturado, sendo forçado a interromper sua carreira como professor. Ele marchou como escravo de guerra até Kansala, onde passou alguns meses e eventualmente foi enviado para a cidade portuária de Sikkah, onde foi vendido para um traficante de escravos francês, que partiu imediatamente com os escravos que adquiriu.

Cerca de cinco dias após a saída de Sikkah, o traficante foi interceptado por uma fragata da marinha britânica, que tentava forçar o fim do tráfico de escravos, sobretudo no Atlântico (o Reino Unido tinha abolido o tráfico de escravos em 1807).

Sisei foi levado a bordo da fragata britânica até Antígua. Tecnicamente, ele estava livre e não vivenciou a escravidão nas plantações. Por isso, era difícil para os negros livres se adaptarem na sociedade da região. Sisei foi alistado no Terceiro Regimento das Índias Ocidentais como granadeiro e recebeu o nome de Felix Ditt. Originalmente, esses regimentos de negros eram alistados para servirem apenas nas Índias Ocidentais. No regimento, Sisei era um dos “Kingsmen”, que se destacavam dos soldados escravizados. Ele atuou ativamente contra os franceses em Guadalupe e esteve em Barbados.

Entre 1811 e 1825, Sisei lutou ao lado de africanos iorubás, axantes, fulanis, sossos e hauçás, dentre os quais, principalmente os últimos, devem ter sido muçulmanos, em geral.

Sisei passou boa parte de sua vida nas Índias Ocidentais especificamente em Trinidad. Ele chegou na ilha em 1816, mas o seu regimento foi dissolvido apenas em 1825. A maioria dos soldados dispensados recebeu terras na costa leste de Trinidad, em Manzanilla, longe dos escravizados das plantações da costa oeste. Sisei nunca recebeu ou aceitou estas terras. Em vez disso, se estabeleceu em Port of Spain e passou a integrar o grupo de muçulmanos mandingas liderados por Yunus Muhammad Bath.


Mesquita Memorial Mohammed Ali Jinnah, St. Joseph, Trinidad | Grueslayer via Wikimedia

Dizem que Yunus era um homem notável e principal liderança da comunidade muçulmana mandinga que vivia na região de Port of Spain. Uma das principais preocupações da comunidade era a de arrecadar fundos para comprar a liberdade de muçulmanos escravizados. Alguns deles, apesar de economicamente estáveis na colônia, peticionaram ao governo britânico para que os repatriassem para a África. Uma das petições endereçadas ao rei William IV continha saudações ao Profeta Muhammad e se descreviam como um povo que não gastou suas economias enquanto escravos em bebidas, diferentemente de outros. Outras petições foram enviadas para a metrópole, no entanto, não obtiveram sucesso e tiveram de se estabelecer em Trinidad permanentemente.

Sisei, entretanto, estava determinado a voltar para sua terra natal. Com o dinheiro emprestado por outro muçulmano, ele comprou uma passagem para si, sua esposa e sua criança para a Inglaterra, onde chegou em 1838.

Na Inglaterra, Sisei ficou sob a “amigável proteção” de John Washington, secretário da Royal Geographical Society, que aprendeu com seu protegido muitas coisas sobre as línguas e a geografia do oeste africano. John acreditava que Sisei seria útil para os britânicos em futuras expedições no interior da África.

Através dos relatos de John, fica claro que Sisei se tratava de um homem engenhoso, inteligente e um estrito seguidor do Islam. Ele entendia bem do Alcorão e carregava consigo algumas passagens do Livro Sagrado. Ele também foi responsável por escrever textos na língua mandinga usando a escrita árabe. Sua inteligência passou a ser generalizada, pelos exploradores britânicos, como uma característica de toda sua etnia.

Eventualmente, Sisei voltou para sua cidade natal em Gâmbia com sua família. A cidade era de fácil localização e é possível que ele tenha viajado em outras ocasiões para fora da região.

Leia também...

Fico feliz quando minhas orações não são atendidas

A Seita dos Qarmatas

Omar al-Mukhtar, o Leão do Deserto

Não se apegue às recompensas, nem ao Paraíso