Mirsaid Sultan-Galiev | Wikimedia
Mirsaid Sultan-Galiev era um tártaro do Bashkortostan, conhecido por ser um revolucionário bolchevique que se destacou no Partido Comunista Russo no início dos anos 1920. Ele foi o arquiteto do "Nacional-Comunismo Muçulmano". Suas visões políticas, para o Comintern (Terceira Internacional), se tratavam de um perigo latente, sendo preso em 1923 e foi expulso do Partido Comunista. Mais tarde, em 1928, foi preso novamente, dessa vez por seis anos. Foi preso mais uma vez, em 1937 e foi executado pelo regime stalinista.
Mirsaid nasceu numa vila do Bashkortostan, então parte do Império Russo, filho de um professor. Ele teve uma infância difícil e pobre. Seu pai não ganhava muito dinheiro. Incapaz de sustentar sua esposa e seus doze filhos, era frequentemente transferido de cidade em cidade. Além disso, havia uma tensão entre seus pais, porque eles vinham de camadas muito diferentes da sociedade tártara. Mirsaid descreveu sua mãe como filha de um príncipe, um nobre, enquanto seu pai era um simples "Mishar" (subgrupo étnico dos tártaros do Volga), o que fazia seu pai se entristecer diversas vezes.
Apesar de seus pais não poderem enviar Mirsaid para uma escola privada, ele pôde aprender muito com seu pai e numa escola islâmica que seguia a metodologia inaugurada por Ismail Gasprinski, um tártaro da Crimeia, responsável por modernizar o estilo de ensino das escolas islâmicas. Desde jovem, estudou a língua russa e teve acesso a muitos clássicos da literatura russa que estavam presentes na biblioteca de seu pai. Na escola em que seu pai ensinava, aprendeu árabe e tártaro, história, geografia e matemática. Ele também aprendeu noções básicas de Alcorão (provavelmente exegese ou recitação) e Shariah. Tudo isso, em especial o conhecimento da língua russa, o ajudaram a ingressar na Faculdade de Professores de Kazan, capital do Tartaristão, em 1907. Mirsaid foi responsável por traduzir obras de Liev Tolstói e Alexander Pushkin para a língua tártara.
Sultan-Galiev foi atraído pelas ideias revolucionárias durante a Primeira Revolução Russa, em 1905. Após a derrota da revolução, ele se mudou para Baku, no Azerbaijão, onde chamou a atenção de Nariman Narimanov, um revolucionário azeri. Ele também foi atraído pelas ideias revolucionárias enquanto estudava para se tornar um professor na Faculdade de Professores de Kazan. Nessa época, recebeu suas primeiras aulas acerca de socialismo. Ele também recebeu livros sobre a teoria socialista pelas mãos de um homem que viria a ser bolchevique, Nasybullin, e de outro, que viria a tomar parte na Revolta dos Basmachi (conflito em que muçulmanos lutaram contra o domínio do Império Russo e dos bolcheviques), Ishmurzin.
Ao se graduar, em 1911, começou sua carreira como professor de escola e bibliotecário, passando por muitas dificuldades financeiras. Em 1912, começou a publicar artigos com diversos pseudônimos. Em 1914, passou a escrever com seu próprio nome. No mesmo período, passou a distribuir proclamações contra o governo imperial russo nas vilas muçulmanas de Ufa e protestava contra a presença de professores russos e tártaros cristianizados nas escolas muçulmanas.
Como na maioria das pessoas de sua geração, a Primeira Guerra Mundial desempenhou um grande papel na transformação de Mirsaid. Com a eclosão da guerra, Sultan-Galiev e sua esposa, Rauza Chanysheva, se mudaram para Baku, onde Sultan-Galiev começou a escrever para diversos jornais. Ele parece ter absorvido entre a população de azerbaijanos, armênios, georgianos, russos, tártaros e iranianos uma profunda e crescente insatisfação com a autocracia czarista, sua resistência às reformas e o manejo do esforço de guerra. O clima político de Baku, em combinação com o levante de muçulmanos anti-recrutamento de 1916 na Ásia Central, o levou a romper com o jadidismo reformista (movimento que pregava a combinação de ideologias e filosofias europeias ao Islam na sociedade centro-asiática) de sua juventude e a caminhar em direção ao socialismo revolucionário.
Em maio de 1917, Sultan-Galiev participou da Conferência Muçulmana da Rússia em Moscou e foi eleito para o Conselho Muçulmano da Rússia que foi criado nesta conferência. Em julho daquele ano foi a Kazan, onde conheceu Mullanur Waxitov, um revolucionário tártaro, com quem ajudou a formar o Comitê Socialista Muçulmano, com um pensamento próximo bolchevismo. Em novembro de 1917, ele se juntou à facção bolchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo. Após o estabelecimento dos Narkomnats, que tinha como líder o revolucionário Josef Stalin, em junho de 1917, Sultan-Galiev foi convidado a se tornar o chefe da seção muçulmana do grupo. Em janeiro de 1918, o Comissariado Central para os Assuntos Muçulmanos na Rússia Interior e na Sibéria (Muskom), foi criado sob a presidência de Waxitov, com Sultan-Galiev como representante do Partido Comunista Russo. Ele foi nomeado presidente do Colégio Militar Central Muçulmano quando este foi estabelecido em junho de 1918. Ele escreveu para Zhizn 'Natsional'nostei (Vida das Nacionalidades), um jornal publicado em Moscou entre 1918 e 1924. Mustafa Suphi, um revolucionário turco, atuou como seu secretário.
Mirsaid e sua esposa, Fatima, em 1919 | Passa Palavra
Em algumas ocasiões, alguns tártaros o acusaram de trair seu povo em favor dos bolcheviques. Ele se defendeu argumentando que acreditava na causa dos bolcheviques, pois, sobretudo, eles estavam em guerra com o imperialismo ocidental nos países muçulmanos da África e da Ásia.
Durante a Guerra Civil, ele organizou ativamente a defesa de Kazan contra o Exército Branco em agosto de 1918 e liquidou a oposição após sua expulsão. Ele também foi fundamental para assegurar que o povo bashkir, liderado por Zeki Velidi Togan, se juntasse ao lado bolchevique, o que enfraqueceu o potencial militar do exército de Kolchak, que lutava ao lado do Império Russo. Seu conhecimento dos movimentos nacionais no Oriente conquistou a confiança de Stalin e de outras figuras importantes do Partido e do governo. Sultan-Galiev executou muitas tarefas sob as ordens pessoais de Stalin. Em abril de 1919, ele foi novamente levado às pressas para a Frente Oriental para ajudar a elevar o moral da 21ª Divisão Tártara em Malmyzh, depois que a ofensiva de primavera de Kolchak forçou o Exército Vermelho a deixar Izhevsk para o Exército Branco. Em junho de 1919, ele foi enviado a Kazan a pedido da administração bolchevique local para ajudar a resolver a questão nacional entre os tártaros, mas logo foi chamado de volta a Moscou por Lenin para trabalhar na questão da nacionalidade nos Narkomnats até 1922.
Sultan-Galiev foi um defensor do que hoje é visto como parte da escola política-econômica que gira em torno da Teoria da Dependência. Ele acreditava que, entre outras coisas, caso as potências ocidentais se tornassem comunistas, continuariam a explorar os trabalhadores do oriente. Portanto, existia a necessidade de organizar essas massas muçulmanas em um movimento comunista autônomo, a fim de resistir aos ocidentais.
Sultan-Galiev queria dar uma face islâmica ao comunismo. Ele argumentou que o Império Russo oprimiu a sociedade muçulmana, com exceção a alguns grandes proprietários de terras e da burguesia. Apesar dessa tentativa de síntese, ele era considerado pelos bolcheviques como excessivamente tolerante com o nacionalismo e a religião e, em 1923, foi acusado de desvios nacionalistas, pan-islâmicos e pan-turcos, preso e expulso do partido.
Sultan-Galiev, Fatima Erzina e Ismail K. Firdevs em 1919 | Passa Palavra
Ele foi libertado, mas com a morte de Lenin em 1924, ele perdeu seu único protetor e permaneceu um pária político, constantemente vigiado pela segurança do Estado. Em 1928, ele foi preso pela segunda vez e condenado a ser fuzilado em julho de 1930. No entanto, em janeiro de 1931, sua sentença foi comutada para dez anos de trabalhos forçados por nacionalismo e atividade anti-soviética. Em 1934, ele foi libertado e recebeu permissão para morar no Oblast de Saratov.
No início de 1937, ele foi novamente preso e foi forçado a fazer uma confissão; ele foi condenado por ser o "organizador e líder factual de um grupo nacionalista anti-soviético", que liderou uma "luta ativa contra o poder soviético" e o partido "com base no pan-turquismo e no pan-islamismo, com o objetivo de arrancando das regiões turco-tártaras da Rússia soviética e estabelecendo nelas um estado turanista democrático-burguês." Em dezembro de 1939, ele recebeu a sentença de morte que foi executada em 28 de janeiro de 1940 em Moscou.
Mugshot de Mirsaid em dezembro de 1928 | Wikimedia
Referências:
Mirsaid Sultan-Galiev: stati, vystupleniia, dokumenty, comp. by I.G. Gizzatullin, D.R. Sharafutdinov (Kazan:Tatarskoe knizhnoe izd-vo, 1992)
R. G. Landa, "Mirsaid Sultan-Galiev," Voprosy Istoriia KPSS 1999
I.R. Tagirov (ed.), Neizvestnyi Sultan-Galiev: Rassekrechennye dokumenty i materialy (Kazan': Tatarskoe knyzhnoe izdatel'stvo, 2002)
Left Wing of the Turkish Communist Party by Enternasyonalist Komunist Sol
I. G. Gizzatullin, D. R. Sharafutdinov (compilers), Mirsaid Sultan-Galiev. Stat’I, vystupleniia, dokumenty
Mirsaid Sultan-Galiev: His Character and Fate, Sh. F. Mukhamedyarov and B. F. Sultanbekov, Central Asian Survey, Vol. 9, No. 2, pp. 109-117, 1990 Society for Central Asian Studies.
A.A. Bennigsen & S.E. Wimbush, Muslim National Communism in the Soviet Union. Chicago & London: The University of Chicago Press. p. 231
Stalin, a biography by Robert Service.