Introdução
A coleta e codificação da lei islâmica tem sido, historicamente, uma das tarefas mais importantes e desafiadoras, na qual a comunidade muçulmana se comprometeu, em 1400 anos de história. Para ser considerado um faqih (um especialista em lei islâmica – fiqh), deve-se ter o domínio do Alcorão, dos ditos do Profeta Muhammad e de outras fontes do direito, bem como de outras matérias, como gramática e história.
Um dos gigantes da lei islâmica foi o erudito do século VIII, de Medina, Malik ibn Anas. Numa altura em que a comunidade muçulmana precisava desesperadamente de que as ciências de fiqh e hadith (ditos e feitos do profeta Muhammad) fossem organizados, Imam Malik surgiu para a ocasião. Seu legado é manifesto na sua influência por todo o mundo muçulmano, tanto por meio de suas próprias obras, como pelas obras daqueles que ele ajudou a guiar no caminho da erudição e devoção ao Islam.
Juventude e Educação
Imam Malik nasceu em 711, na cidade de Medina, 79 anos após a morte do Profeta Muhammad, na mesma cidade. Sua família era originária do Iêmen, mas seu avô tinha se mudado para Medina durante o governo de Omar ibn al-Khattab. Seu pai e seu avô tinham estudado ciências religiosas sob a supervisão dos Companheiros do Profeta que ainda viviam em Medina, portanto, o jovem Malik foi criado em um ambiente que foi baseado em estudos islâmicos, aprendendo com seu pai e seu tio.
O tio do Imam Malik, Nafi, foi um eminente estudioso e, por si só, narrou hadiths de Aisha, Abu Hurairah e Abdullah ibn Omar, todos os companheiros que se destacavam por seu vasto conhecimento de hadiths. Embora o centro político do mundo muçulmano houvesse se afastado de Medina durante o califado de Ali nos anos 650, a cidade continuou a ser a capital intelectual do Islam. Nesta capital do conhecimento islâmico, Imam Malik dominava as ciências dos hadiths, tafsir (interpretação do Alcorão) e fiqh.
O Estudioso de Medina
Depois de uma quantidade imensa de estudo, que se estendeu entre seus 20 e 30 anos, Imam Malik ficou conhecido como o homem mais culto em Medina, no seu tempo. Tornou-se professor, atraindo um grande número de alunos para palestras que ele ministrava na mesquita do Profeta. Ele costumava sentar-se no púlpito da mesquita com o Alcorão em uma mão e uma coleção de hadith no outro e oferecer decisões e opiniões baseadas nessas duas fontes legais. Os estudantes que se reuniam para suas aulas vinham de todos os cantos do mundo muçulmano. Entre seus alunos mais notáveis, estavam Abu Yusuf, Muhammad al-Shaybani (eram os dois estudantes mais importantes de Abu Hanifah também) e Imam al-Shafi.
O aspecto mais original da metodologia de Imam Malik em fiqh era sua abordagem em relação às práticas do povo de Medina como fonte de direito. No estudo de fiqh, existem numerosas fontes que são utilizadas para derivar as leis. A primeira e a segunda fonte, mais importantes, são sempre o Alcorão e a Sunnah. Após os dois, no entanto, os grandes estudiosos da fiqh divergiam sobre a próxima mais importante como fonte de direito. Imam Malik acreditava que as práticas do povo de Medina deviam ser vistas como uma fonte importante.
Seu raciocínio para isso foi que Medina, naquela época, não estava muito longe da Medina do Profeta Muhammad. Ela havia sido poupada da agitação política e social que grande parte do resto do mundo muçulmano passou. E as pessoas que viviam na cidade tinham sido ensinadas sobre o Islam pelos seus antepassados, que tinham sido Companheiros do Profeta ou estudantes dos Companheiros. Assim, ele argumentou que, se todas as pessoas de Medina praticavam uma ação particular e a mesma não contradizia o Alcorão e a Sunnah, então ela pode ser tomada como uma fonte de direito. Ele é o único, entre os quatro grandes imames de fiqh, que afirma esse parecer.
De modo a facilitar o estudo de fiqh e hadith, Imam Malik compilou um livro conhecido como al-Muwatta. Este foi o primeiro livro em que se tentou compilar apenas ditos confiáveis do Profeta Muhammad. Imam Malik disse que mostrou seu livro a setenta estudiosos em Medina, que todos o aprovaram e, assim, ele lhe deu o nome de al-Muwatta, que significa "O Aprovado".
Obra seminal de Imam Malik, al-Muwatta
Al-Muwatta era um livro de referência. Ele ajudou a estabelecer a ciência dos hadiths, particularmente o julgamento de cadeias de narrações de hadiths. Imam Malik era tão restrito em sua seleção de hadiths que seu livro foi colocado no mesmo nível (e às vezes acima) das coletâneas de hadiths dos Imames Bukhari e Muslim. Imam Shafi ainda afirmou que não há nenhum livro sobre a terra, depois do Alcorão, que é mais autêntico do que o Muwatta.
O trabalho do Imam Malik era tão influente como livro de fiqh que o califa do tempo, Harun al-Rashid, exigiu que ele fosse impresso em massa e que fosse o livro oficial de fiqh para o Império abássida. Imam Malik, no entanto, recusou. Ele sabia que nenhuma interpretação da lei islâmica era perfeita e abrangente. Como tal, ele se recusou a permitir que seu fiqh se tornasse o oficial, mesmo sob ameaça de perseguição e prisão.
Características do Imam Malik
Além de ser um dos maiores estudiosos de fiqh da história, Imam Malik era um muçulmano incrivelmente humilde e meticuloso. Por respeito para com o Profeta e suas palavras, ele se recusaria a narrar um hadith durante uma caminhada.
Em vez disso, quando perguntado sobre um hadith, ele iria parar, sentar-se e dar ao hadith a atenção que merecia, por respeito ao Profeta Muhammad. Ele também se recusaria a montar qualquer animal na cidade de Medina, refletindo que o animal iria andar na mesma areia que os pés de Muhammad pisaram.
Este tipo de relação demonstra meticulosidade por respeito ao Profeta Muhammad, um sinal da ênfase que o Imam Malik dava à importância do Profeta Muhammad.
Entre os dizeres de Imam Malik, estão:
"A Sunnah é a Arca de Noé. Quem estiver a bordo dela está salvo, e quem permanecer afastado dela perece."
"O conhecimento não consiste em narrar muito. O conhecimento é senão uma luz que Deus põe no coração."
"Ninguém renuncia ao mundo e protege a si mesmo sem, em seguida, falar palavras de sabedoria."
Quando Imam Malik embarcou nos estudos das ciências islâmicas com um professor, sua mãe o aconselhou a "aprender com seu professor, suas maneiras, antes de aprender com ele o seu conhecimento."
A ideologia de Imam Malik em fiqh culminou na criação da Madhab Maliki (escola de jurisprudência). Como Imam Malik quis, não foi imposta aos muçulmanos como a única escola da lei islâmica. Em vez disso, ele complementou as outras três escolas que tiveram maior destaque no mundo muçulmano sunita – as escolas Hanafi, Shafi e Hanbali. A Escola Maliki se tornou muito popular no norte e no oeste da África, bem como na Espanha muçulmana. Hoje, continua a ser o principal madhab do Norte e da África Ocidental.
Imam Malik morreu aos 85 anos, no ano 795. Ele foi enterrado no Cemitério de Baqee, em Medina.
Referências:
Haddad, Gibril. The Four Imams and their Schools. Muslim Academic Trust, Print.
Khan, Muhammad. The Muslim 100. Leicestershire, United Kingdom: Kube Publishing Ltd, 2008. Print.
Traduzido de Lost Islamic History