Nizam

 

Nascido na Taifa de Múrcia no vilarejo de Ricote no início século XIII, Abu Bakr Muhammad ibn Ahmad al-Riquti al-Mursi iniciou sua educação desde cedo com eruditos místicos muçulmanos que viviam naquele ambiente intelectual cosmopolita.

O potentado onde morava, a Taifa de Múrcia, já não era mais independente desde 1243, vassalo do Reino de Castela, e estava sob constante pressão de conquista total pelo domínio cristão. De acordo com o historiador Ibn al-Khatib (1313–1375), al-Riquti era proficiente em diversas áreas do saber, um verdadeiro polímata, professor de teologia, geometria, lógica, matemática, aritmética, música e medicina. Falava árabe, hebraico, latim e romance.

Ainda jovem, costumava fazer viagens de sua Ricote natal para lecionar na capital da taifa, a magnífica cidade de Múrcia, onde acabou por chamar atenção do promissor príncipe castelhano Afonso, futuro Afonso X o Sábio ou "o Astrólogo", que havia acabado de subjugar aquele reino islâmico, e com quem desenvolveu uma profunda amizade baseada na troca de conhecimento. Afonso era conhecido como ávido patrono do saber e financiador de eruditos, e seu título de "o Sábio" não lhe fora conferido a esmo. Em seu reinado, costumava respeitar os direitos de liberdade religiosa dos não-cristãos, sendo também chamado de "o Imperador das Três Religiões."

Ele não perdeu tempo em utilizar al-Ricoti para seus projetos intelectuais, instalando-o em sua corte com honrarias, construiu-lhe uma escola, onde o mesmo passou a ensinar alunos de todas as origens, fossem eles cristãos muçulmanos ou judeus, os quais transmitia-lhes em seus próprios idiomas.

O local era um centro do saber que atraia teólogos e eruditos de todos os credos, fortemente incentivados pelo futuro monarca, onde além de traduções, ocorriam debates e intercâmbios intelectuais. A Escola dada por Afonso a al-Riquti até hoje é considera da precursora da atual Universidade de Múrcia na Espanha.

Alfonso X tornou-se rei em 1252 e adotou a política de incentivar estudiosos muçulmanos a permanecerem em territórios anteriormente islâmicos que havia conquistado, oferecendo recompensas atrativas para aqueles que se convertessem ao cristianismo. Al-Riquti agora estava cada vez mais pressionado pelo rei, que fazia diversas investidas visando trazer à sua fé aquele homem brilhante. Em uma ocasião, mediante a mais uma proposição de Afonso para que se tornasse cristão, al-Riquti respondeu: "Por toda minha vida servi a apenas um só Deus, e não pude cumprir com tudo o que se deve. O que seria e mim se servisse a três (se referindo a trindade cristã) como me pede o rei?"

Enfrentando a crescente intimidação politico-religiosa do domínio castelhano, os muçulmanos em Múrcia se rebelaram em 1264 buscando retomar sua independência, e depois de finalmente derrotados pelas forças reais em 1266, a região perdeu sua autonomia completamente, quando os exércitos de Jaime I de Aragão sob a autoridade de Afonso venceram as tropas do emir al-Wathiq. Os muçulmanos da cidade perderam seu prestígio como punição, foram isolados no subúrbio da cidade, e sua maior mesquita foi transformada em igreja consagrada à Virgem Maria.

Desolado com a derrota de seu povo e a insistência cada vez maior de seu amigo o rei para que se tornasse cristão, al-Riquti partiu por volta de 1272 ao nascente Emirado de Granada, o último bastião muçulmano da Península Ibérica, a convite do emir Muhammad II, que buscava rivalizar com Afonso por qual dos reis possuía mais eruditos em sua corte. Em Granada, al-Riquti passou a viver nas graças do emir, e tornou-se ali também um sábio bastante respeitado entre os seus até o fim de sua vida, deixando para trás um legado intelectual reconhecido que perdura até os dias de hoje.

Referências:

– de Maya, Julián Gómez (2017), De Al-Ricotí al rector Sabater: Estudios históricos sobre la Universidad de Murcia y sus antecedentes 

– Doubleday, Simon R. (2015-12-01). The Wise King: A Christian Prince, Muslim Spain, and the Birth of the Renaissance

– Gaspar y Remiro, Mariano (1905): Historia de Murcia musulmana. Zaragoza: Tipografía de Andrés Uriarte.

– Samsó, Julio (1981). “Dos colaboradores científicos musulmanes de Alfonso X

– Vernet, Juan; Samsó, Julio (1996). “The development of Arabic science in Andalusia”, em Roshdi Rashed (ed.). Encyclopedia of the History of Arabic Science. Routledge. pp. 243–275.

 
 
 

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