Nizam

O navegador e cartógrafo árabe do século XV, Ahmad ibn Majid, ajudou o português Vasco da Gama a encontrar o caminho marítimo para a Índia a partir da África.

"Foi Ele (Allah) Quem deu origem, para vós, às estrelas, para que, com a sua ajuda, vos encaminhásseis, nas trevas da terra e do mar." (6:97)

Celebrado eentre os árabes como "o Leão dos Mares", que guardam até hoje a prática de recitar o primeiro capítulo do Alcorão por sua alma, e citado no "Lusiadas" de Camões, o hidrógrafo, navegador, poeta e cartógrafo muçulmano Ahmad Ibn Majid nasceu por volta de 1432 na antiga Julfar, atual Emirados Árabes Unidos, na época em que outro grande navegante muçulmano singrava os arredores da Arábia, o famoso almirante chinês Zheng He, com seus imensos navios da esquadra real da dinastia Ming.

O que fez Ahmad ibn Majid entrar para história não foi a descoberta de terras novas ou uma vitória em batalha naval, mas sim por ele ter transformado através de seus escritos a arte da navegação em uma ciência elaborada. Poliglota, dominava o tamil, persa e árabe. Escreveu também sobre geografia, religião, história, literatura e genealogia. Realizado poeta, compôs mais de 34 poemas e prosa sobre a ciência da navegação com cerca de 4603 versos.

Ele revolucionou o uso da bússola em seu tempo, e aprimorou o cálculo da latitude com base na altura da estrela polar no horizonte, através do uso dos dedos e de um instrumento conhecido como "kemal".

Seu trabalho mais importante, de 38 escritos, foi o Kitab al-Fawa'id fi Usul 'Ilm al-Bahr wa' l-Qawa'id (Livro de Informações Úteis sobre os Princípios e Regras de Navegação), compilado em 1490, uma enciclopédia de conhecimentos náuticos que tratava principalmente da história e os princípios básicos da navegação, fases lunares, linhas de rumo, a diferença entre a navegação costeira e a mar aberto, a localização dos portos da África Oriental à Indonésia, as posições das estrelas, informações sobre as monções e ventos sazonais, tufões e outros tópicos para navegadores profissionais. Seus escritos reuniam todo conhecimento náutico que se tinha no mundo até então.

Segundo fontes, em 1498, Vasco Da Gama navegou para o porto de Mombaça no Quênia, onde encontrou Ahmad ibn Majid, recrutando-o e pedindo para que o guiasse em sua rota marítima para a Índia, tendo Ahmad aceitado a proposta e levado as naus lusitanas com sua maltrapilha e pobre tripulação por aquele mundo completamente desconhecido por eles, abrindo assim a primeira viagem bem sucedida à Índia na Era das Navegações. Entretanto, alguns historiadores contestam as fontes, sejam elas portuguesas, árabes ou otomanas, e olhe que não são poucas, alegando que Ahmad não estava em Mombaça na altura da chegada de Vasco, e que as crônicas otomanas, de cinquenta anos depois de sua morte, são uma tentativa de difama-lo, pois alegam que Ahmad foi encontrado bêbado e desesperado na costa africana, e teria aceitado entregar seus segredos náuticos aos portugueses por uma passagem de volta para casa, e ele, sendo um muçulmano devoto, santo até, jamais teria bebido.

Contudo, a tese da difamação otomana vinda do cronista do século XVI Qutb al-Din deveria neste caso ser encarada como uma prova de que ele ajudou Vasco, e não um desabono, visto que justamente a difamação existe para descredibilizar a natureza do feito de Ahmad, "ajudar os infiéis", e não negar que aquilo aconteceu.

Sobre os métodos de navegação europeia, Ibn Majid escreveu:
"Temos 32 loxodromias, tirfa e zam, e a medição de altitudes estelares, as quais eles não possuem. Eles não conseguem entender a maneira como navegamos, mas podemos entender a maneira como eles o fazem; podemos usar o sistema deles e navegar em seus navios. Pois o Oceano Índico está conectado ao Oceano Todo-Abrangente (Pacífico), e possuímos livros científicos que dão altitudes estelares, mas eles não têm conhecimento de altitudes estelares; eles não têm ciência nem livros, apenas a bússola e navegação estimada. Podemos navegar facilmente em seus navios no mar, fazendo com que tenham um grande respeito por nós. Eles admitem que temos um melhor conhecimento dos mares, da navegação e da sabedoria das estrelas."

Entretanto, algo que indiscutível sobre a influência de Ahmad na navegação dos portugueses é que Vasco sem sombra de dúvida levou manuscritos árabes de navegação, provavelmente de Ahmad, à corte na volta de sua expedição no final do século XV. Em seu próprio livro Ahmad chega até mesmo a descrever seu conhecimento das viagens portuguesas, dizendo que uma raça de "francos'', termo utilizado para europeus em geral, vindos de depois do Marrcos, ou seja, Portugal, havia chegado ao Oceano índico. Se a influência de Ahmad foi pessoal ou intelectual, provavelmente jamais saberemos.

Ahmad Ibn Majid morreu no ano de 1500, quando outro navegador português, um tal de Cabral que também tentava chegar a índia, acabou batendo num pedaço de terra no meio do caminho, no qual moramos hoje. Na cultura pop, na série de televisão Star Trek: Picard, ambientada no futuro, o personagem Cristóbal "Chris" Rios (interpretado por Santiago Cabrera) é um ex-oficial da Frota Estelar que já serviu na nave estelar da Federação "USS Ibn Majid", NCC-75710, conforme revelado no episódio de 2020 "Broken Pieces", uma referência e homenagem a Ahmad, que sem sombra de dúvida deixou um legado ambivalente para a navegação da civilização islâmica e ocidental.

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