Nizam

Este caso foi narrado pelo Imam Abu Abd ar-Rahman ibn al-Mubarak, um estudioso que viveu no Califado Abássida.

Uma idosa árabe estava sentada num tronco de uma árvore, a caminho do Hajj. Imam ibn al-Mubarak, por acaso, passava por ali. Ele também estava rumando ao Hajj e para o Sagrado Mausoléu do Profeta. Ao ver a senhora perturbada e angustiada, resolveu conversar com ela.

O Imam disse: "Que a Paz e a Misericórdia de Allah estejam convosco".

A senhora respondeu: "Paz! Eis como serão saudados por um Senhor Misericordiosíssimo." [36:58]. Ela quis dizer que a resposta do "salam" vem de Deus.

Ela continuou: "Aqueles a quem Deus desviar (por tal merecerem) ninguém poderá encaminhar, porque Ele os abandonará, vacilantes, em sua transgressão." [7:186].

O Imam perguntou: "De onde você veio?"

Ela disse: "Glorificado seja Aquele que, durante a noite, transportou o Seu servo, tirando-o da Sagrada Mesquita, elevando-o à Mesquita Mais Distante." [17:1]. Ela quis dizer que tinha vindo da Mesquita de al-Aqsa, em Jerusalém.

O Imam questionou: "Há quanto tempo está aqui?"

A senhora respondeu: "Três noites." [19:10].

O Imam indagou: "De onde vem sua comida?"

Ela disse: "Que me dá de comer e beber." [26:79]. Ela quis dizer que sua comida, de uma forma ou de outra, era provida por Deus.

O Imam perguntou: "Há água para fazer o wudhu (ablução)?"

A senhora disse: "Sem terdes encontrado água, recorrei à terra limpa e passai (as mãos com a terra) em vossos rostos e mãos; sabei que Deus é Remissório, Indulgentíssimo." [4:43]. Ela quis dizer que fez tayammun porque não encontrou água.

O Imam ofereceu um pouco de comida para ela.

Ela disse: "Retornai, então ao, jejum, até ao anoitecer." [2:187]. Ela indicou que estava jejuando.

O Imam ibn al-Mubarak disse: "Este não é o mês de Ramadan".

Ela respondeu: "Quem fizer espontaneamente além do que for obrigatório, saiba que Deus é Retribuidor, Sapientíssimo." [2:158]. Ela estava fazendo um jejum facultativo, apesar de ser uma viajante.

O Imam lembrou-a: "É permitido que se quebre o jejum quando estiver viajando".

Ela falou: "Mas, se jejuardes, será preferível para vós, se quereis sabê-lo." [2:184].

O Imam disse "Fale como eu falo".

A senhora respondeu: "Não pronunciará palavra alguma, sem que junto a ele esteja presente uma sentinela pronta [para a anotar]." [50:18]. Ela quis dizer que já que toda palavra dita por alguém é observada e registrada, ela está se precavendo, falando apenas as palavras do Alcorão.

O Imam perguntou: "A qual clã você pertence?"

Ela disse: "Não sigas (ó humano) o que ignoras, porque pelo teu ouvido, pela tua vista, e pelo teu coração, por tudo isto será responsável!" [17:36]. Ela quis dizer que era perda de tempo, da parte dele, perguntar sobre coisas que não conhecia e nem o preocupava.

O Imam disse: "Perdoe-me. Cometi um erro".

A senhora falou: "Hoje não sereis recriminados! Eis que Deus vos perdoará." [12:92].

O Imam perguntou: "Gostaria de viajar em meu camelo e encontrar sua caravana?"

A senhora respondeu: "Tudo o que fizerdes de bom Deus o saberá." [2:197]. Ela quis dizer que se ele fizesse essa boa ação para ela, Deus o recompensaria.

O Imam disse: "Bem, então suba". Enquanto dizia isso, fez seu camelo se sentar.

A senhora disse: "Dize aos fiéis que recatem os seus olhares." [4:30].

O Imam ibn al-Mubarak entendeu e afastou os olhares. 

Enquanto ela subia, o camelo estremeceu e suas roupas enredaram na sela. Disse: "E todo o infortúnio que vos aflige é por causa do que cometeram vossas mãos." [42:30]. Em outras palavras, ela estava chamando a atenção do Imam para o acidente.

O Imam entendeu, amarrou as pernas do camelo e endireitou as tiras da sela.

Ela o aplaudiu por sua proficiência e capacidade, dizendo: "E fizemos Salomão compreender a causa. E dotamos ambos de prudência e sabedoria." [21:79].

Quando a jornada estava prestes a começar, a senhora recitou o versículo evocado ao empreender uma viagem: "Glorificado seja Quem no-los submeteu, o que jamais teríamos logrado fazer." [43:13].

O Imam segurava o freio do camelo. Ele começou a cantar o huddi, uma canção beduína cantada em viagens e começou a andar bem rápido.

"E modera o teu andar e baixa a tua voz." [31:19].

O Imam entendeu. Começou a andar mais lentamente e abaixou sua voz. A senhora disse: "Recitai, pois, o que puderdes do Alcorão!" [73:20]. Ela quis dizer que, ao invés de cantarolar o huddi, ele deveria recitar o Alcorão.

O Imam começou a recitar o Alcorão. A senhora ficou muito satisfeita e disse: "Porém, salvo os sensatos, ninguém o compreende." [2:269].

Após recitar o Alcorão por um tempo, o Imam perguntou para a senhora se ela tinha um marido vivo: "Ó, tia, tens um marido?".

Ela disse: "Ó fiéis, não interrogueis acerca de coisas que, se vos fossem reveladas, atribular-vos-iam." [5:101]. Ela quis dizer que nenhum tipo de pergunta desse tipo deveria ser feita, indicando que o marido dela, provavelmente, já tinha falecido. Finalmente, alcançaram a caravana.

Ibn al-Mubarak perguntou: "Você tem algum filho ou parente nessa caravana que tenha conexões com você?"

A senhora respondeu: "Os bens e os filhos são o encanto da vida terrena." [18:46]. Ela quis dizer que seus filhos estavam nessa caravana, e que tinham provisões consigo.

Ibn al-Mubarak questionou: "Que trabalho seus filhos fazem nesta caravana?" O objetivo dele era tornar fácil o reconhecimento deles.

A senhora disse: "Assim como os marcos, constituindo-se das estrelas, pelas quais (os homens) se guiam." [16:16]. Ela quis dizer que eles eram os guias das caravanas.

O Imam perguntou: "Pode me dizer seus nomes?"

Ela respondeu: "Deus elegeu Abraão por fiel amigo" [4:125].

Continuou: "E Deus falou a Moisés diretamente." [4:164].

E finalizou: "Ó Yahia, observa fervorosamente o Livro!" [19:12].

Recitando esses versos, a senhora informou-o que seus filhos se chamavam Yahya, Ibrahim e Mussa. O Imam chamou por estes nomes na caravana e imediatamente três jovens surgiram diante dele.

A senhora disse aos seus filhos: "Enviai à cidade alguns de vós com este dinheiro; que procure o melhor alimento." [18:19]. Em outras palavras, ela os instruiu a alimentar o Imam.

Quando a comida foi trazida, ela falou ao Imam ibn al-Mubarak: "Comei e bebei com satisfação, pelo bem que propiciastes em dias pretéritos!" [69:24].

E com este, ela recitou outro versículo para transmitir sua gratidão a ele por sua boa conduta e cortesia: "A retribuição à bondade não é, acaso, a própria bondade?" [55:60].

A conversa deles terminou neste versículo. Um dos filhos da senhora informou ao Imam ibn al-Mubarak que sua mãe tem falado dessa maneira nos últimos quarenta anos.

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