Prefácio
Cada sociedade tem sua culinária e seus gostos únicos, que se desenvolvem com o passar do tempo. Além disso, cada região e cada clima proporcionam opções diferentes; a saúde e a percepção da vida variam de sociedade em sociedade.
Na península Arábica, onde viveu o Profeta Muhammad, a culinária foi moldada pela região, pelo clima e pela percepção da vida das pessoas, segundo as circunstâncias da época. Na verdade, o Profeta Muhammad tinha uma relação próxima com a culinária de sua própria sociedade, no que diz respeito ao gosto pessoal, antes de transmitir a religião do Islam.
O Islam, como religião, contribuiu no dia a dia das pessoas também em aspectos diferentes, além de ter vindo com uma visão sobre as bênçãos da vida. Neste texto, enumeramos os diversos de alimentos que eram consumidos na península Arábica na época do Profeta Muhammad, e também os diferentes tipos de pratos, panelas e recipientes que eram utilizados. O estudo procura verificar se a religião tem uma influência na culinária e se a religião islâmica aconselha que levemos uma vida sem alimentos e bebidas saborosos.
Introdução
O Profeta Muhammad, que descreveu o sustento de depois da morte (zaad al-ahirah) como o sustento mais benéfico de todos, não recomendou que tomássemos um caminho que não contasse com comidas e bebidas saborosas. Ele não aprovava que se imitasse os sacerdotes cristãos e budistas, que evitavam certos alimentos. Ele preferia comer de todos os alimentos que gostava, dentro dos que são halal (lícitos segundo as leis de Allah) que estavam presentes em sua época.
A coisa mais surpreendente para os habitantes de Meca que não acreditavam em Muhammad era que o Profeta que fora enviado a eles comia e bebia (Alcorão, Surah al-Furqān, 25/7, 20) alimentos saborosos.
As Carnes
O Profeta Muhammad descrevia a carne como uma refeição preciosa, tanto neste mundo quanto após a morte. Naquela época, consumia-se carne de camelo, de carneiro, de cabra e de vaca. De certo, a carne mais consumida entre os árabes era a de camelo.
Além dessas carnes mencionadas, também se utilizava carne de coelho, de galinha, de aves abetardas e de peixe. O Profeta Muhammad gostava das pernas frontais do carneiro e as preferia nas refeições. Relata-se que ele pegava as pernas frontais e as comia com a mão (Ibn Māja, At‘ima, 27, 28; Tirmidhī, At‘ima, 33; Abū Dāwūd, At‘ima, 21).
Também se consumia os miúdos dos animais. Os fígados de carneiro e de camelo eram dos favoritos. O Profeta Muhammad comia com pão o fígado de carneiros sacrificados. Ele também gostava de cérebro cozido. Aisha, sua esposa, relatou que eles costumavam enterrar os pés dos animais para conservá-los, e os desenterrar para o preparo (Bukhārī, At‘ima, 5; Muslim, Zakāh, 52, 54; Ibn Māja, At‘ima, 31; Shāmī, VII, 297).
Conhecia-se a carne de peixe, mas ela não era consumida frequentemente. Foi mencionado em Sīf al-Bahr (Habat) Sariyyah (A.H. 8/A.D. 629) que pedaços de uma baleia encalhada foram desidratados e servidos ao Profeta Muhammad, e ele comeu dessa carne. (Ibn Sa‘d, III, 411; Nasāī, Said, 35).
Entre os pratos com carne, o tirīt era o favorito. O Profeta Muhammad chamou a receita do tirīt de a rainha das receitas. O tirīt era feito mergulhando o pão em caldo de carne. Às vezes, levava pedaços grandes de carne. Também servia-se tirīt com carne ao Profeta Muhammad, e também era preparado com manteiga. A mãe de Zaid ibn Sabit preparou tirīt com manteiga para o Profeta Muhammad quando ele chegou em Medina (Ibn Sa‘d, III, 614; Abū Dāwūd, At‘ima, 23; Shāmī, VII, 305).
Era costume fritar a carne no fogo. O Profeta Muhammad também gostava de carne de camelo frita. Também se cozinhava a carne de camelo e, às vezes, pedaços da carne eram defumados. Um dos jeitos de conservar a carne por mais tempo era colocá-la no vinagre.
Durante a hégira, foi servido ao Profeta um prato feito com carne conservada dessa maneira. O Profeta Muhammad gostava de carne cozida com trigo moído (cashīsh, bulgūr). Nesse prato, a carne era marinada com sal, vinagre e temperos para ser conservada por mais tempo. O Profeta Muhammad se descreveu como o filho de uma mulher que comia carne seca, e ele gostava de carne seca (Ibn Sa‘d, IV, 312; Ibn Māja, At‘ima, 30; Shāmī, VII, 234, 302).
As Hortaliças
Na mesa do Profeta Muhammad, hortaliças também estavam presentes: abobrinha, cebola, acelga, alho, nabo, rabanete e cogumelos. Certa vez, um alfaiate de Medina preparou um prato de carne com abobrinha. O Profeta Muhammad gostou mais da abobrinha, e o anfitrião colocou a abobrinha mais perto do Profeta Muhammad. (Bukhārī, At‘ima, 25, 37; Ibn Māja, At‘ima, 35; Ahmad ibn Hanbal, III, 108, 174, 160, 204, 264).
Um prato preparado com acelga e cevada, sem carne e azeite era um dos pratos favoritos dos muçulmanos de Medina depois da oração de sexta-feira (jumu’ah) (Bukhārī, At‘ima, 17; Jawād Ali, VII, 60). Menciona-se que a última refeição do Profeta Muhammad foi de cebola cozida ou frita. Também se comia a cebola, o alho e o nabo crus. No entanto, era recomendado não ir à oração em congregação após comer alimentos assim – para que não se perturbasse as pessoas com o odor. (Bukhārī, At‘ima, 49; Ahmad ibn Hanbal, VI, 89; Shāmī, VII, 262; Jawād Ali, VII, 61).
Os árabes gostavam de um prato chamado hais, uma mistura de tâmaras, azeite e coalhada; era uma receita muito prática. Na volta da batalha de Khaybar, (A.H. 7/A.D. 628), hais foi servido no banquete de casamento do Profeta Muhammad (Bukhārī, At‘ima, 7, 16, 28; Ibn Manzūr, VI, 61).
Os Pães
O pão mais consumido era o de cevada, pois o trigo, que era trazido por agricultores e comerciantes das terras dos nabateus na Síria era caro – nem todos podiam pagar por ele (Jawād Ali, VII, 58). Abu Huraira relatou que não havia pão de trigo na mesa do Profeta Muhammad e Anas ibn Malik relatou que nunca havia visto o Profeta Muhammad comer esse tipo de pão. O Pão feito de trigo era macio, e o pão feito de cevada era duro (Ibn Sa‘d, I, 404; Bukhārī, At‘ima, 7; Ibn Māja, At‘ima, 45, 49).
As Sopas
Sopa era o prato mais comum servido nas refeições. As sopas cashīsha, hazīra, harīsa e a sopa de cevada com acelga eram muito comuns. A cashīsha era feita de cereais moídos com carne ou tâmaras. Fazia-se a hazīra acrescentando farinha refinada à água. A harīsa era um creme de farinha com azeite e carne. Alguns tipos de sopa levavam hortaliças, como a acelga. Certas vezes a farinha era tostada e, com o acréscimo de água, obtinha-se uma papa. Essa papa era chamada de sawīq. Às vezes se usava leite em vez de água e, às vezes, também usava-se o sebo do lombo bovino (Khalīl ibn Ahmad, I, 483; Abū Dāwūd, Adab, 103; Ibn Manzūr, VI, 273; Shāmī, VII, 304).
O Açúcar e as Sobremesas
Na época do Profeta Muhammad, era consumida açúcar de cana e, em casamentos, existia o costume de jogar açúcar e amêndoas em torno dos convidados. O manna, a resina de uma árvore de Sīnā, da Síria e da bacia do Eufrates era transportado até Medina (Haisamī, IV, 53; Ibn al-Jawzī, I, 147; Kettānī, II, 270).
O Profeta Muhammad gostava de um doce, uma mistura de tâmaras com leite. Já o mel era, sem dúvida, o alimento mais consumido como doce (Bukhārī, At‘ima, 32, Tibb, 4). Um doce preparado com farinha, azeite e mel, chamado fallūzaj, era proveniente de países estrangeiros. Uthman, o terceiro califa, apresentou esse doce ao povo de Medina, e eles gostaram muito. Ele era mercador, e importou esse doce do Império Sassânida. Os árabes acrescentaram tâmaras a essa receita. É relatado que Uthman preparou esse doce e o serviu ao Profeta Muhammad, e ele gostou (Tabarānī, XVII, 336).
As Frutas
A tâmara era a fruta mais consumida. Melancia, melão, uvas e marmelo também eram muito presentes. Também se consumia pêssego, romã, sicômoro e figo. Oleaginosas como o amendoim e as amêndoas também eram conhecidos em Medina. O Profeta Muhammad neutralizava o sabor doce das tâmaras com maxixe (Ibn Māja, At‘ima, 38; Tirmidhī, At‘ima, 35; Shāmī, VII, 310, 319, 321, 322).
Ovos e Laticínios
Certa vez, o Profeta Muhammad comeu ovo de avestruz. Em Medina, as galinhas ficavam soltas nas ruas e, sem dúvida, o ovo de galinha era um alimento importante. Em Medina, não se conhecia queijo, mas consumia-se coalhada. Certa vez, o Profeta Muhammad comeu uma espécie de queijo fermentado, produzido na região durante a excursão de Tabūq (9 d.H./630 e.c.), e gostou do alimento. Os leites de camela, de ovelha e de cabra eram os mais consumidos, e eram consumidos puros. O leite ordenhado em dias quentes, que ficava mais espesso, era misturado com água para facilitar o consumo (Ibn Abū Shaiba, II, 418; Abū Dāwūd, At‘ima, 39, Tibb, 20; Shāmī, VII, 306).